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24 de Abril de 2024

Os reflexos da pandemia no direito do trabalho coletivo e o dilema da redução proporcional de jornada de trabalho e de salários previstos na MP 936

Publicado por Daniel Oliveira
há 4 anos

A partir de março de 2020 o governo tem emitido medidas Provisórias visando flexibilizar os contratos de trabalho de modo a permitir que empregadores e empregados, por meio de acordo individual, tomem providências que não venham a ser questionadas pelo poder judiciário posteriormente. Em outras palavras, as medidas Provisórias editadas buscam dar segurança jurídica a tais flexibilizações nos contratos de trabalho. Esse processo teve início com a medida provisória 927 (22/03) que trouxe várias flexibilizações como, por exemplo, na antecipação de férias e feriados, no teletrabalho e na suspensão do contrato de trabalho.

Com relação a suspensão do contrato de trabalho, em específico, esta foi prevista pela MP 927 sem nenhuma contraprestação, o que ocasionou várias críticas por parte da classe trabalhadora. Em face disso, no dia seguinte, o artigo 18 da referida medida provisória foi revogado por meio de outra MP de número 928.

Dias depois, em primeiro de abril de 2020, o governo emite uma a MP 936. Esta, por sua vez, com um viés mais humanitário, visando atender os anseios tanto da classe trabalhadora como da classe patronal. Nesse sentido, a medida provisória 936 previu o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda como medida importante nesse difícil período.

Destarte, sem dúvidas o ponto mais polêmico dessa última MP foi a possibilidade (em alguns casos) de se estabelecer, por meio de acordo individual, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários. Isso, porque como se sabe, a Constituição Federal prevê expressamente em seu artigo 7º, inciso sexto a irredutibilidade do salário, pondo a salvo os casos dispostos em convenção ou acordo coletivo, envolvendo, pois os sindicatos. Vale salientar, que esse comando não excepciona nenhuma outra hipótese, nem mesmo em situações de força maior ou de fato do príncipe, porque se trata de uma garantia constitucional fundamental para os trabalhadores. Nesse sentido, fala-se em uma inconstitucionalidade da MP 936 no que diz respeito a referida matéria.

Diante da problemática, o Partido Político Rede Sustentabilidade ajuizou a ADI de número 6.363 pretendendo suspender a aplicação da MP 936, em relação a esse ponto. O Ministro Ricardo Lewandowski foi incumbido da relatoria da mencionada ADI e em uma primeira análise, via liminar, interpretou a questão reconhecendo a previsão Constitucional, no entanto, sem afastar definitivamente o ato do Executivo. Dessa forma, o Ministro, entendeu ser necessário a comunicação dos sindicatos e fez referência ao artigo 617 da CLT que, em linhas gerais, versa sobre a necessidade de manifestação dos sindicatos nos acordos. Isso acabou causando certa insegurança jurídica, pois vários acordos individuais já haviam sido pactuados e enviados à Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. Posteriormente, em Embargos de Declaração o Relator reiterou que deve ocorrer a comunicação do sindicato prevista na MP 936 (no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração), caso este não se manifeste é válido o acordo individual e caso o sindicato tome a frente das negociações, o empregado pode escolher se adere ou não o pactuado pela entidade representante, prevalecendo o princípio da norma mais favorável.

Acontece que no dia 17/04 o Tribunal Pleno resolveu não referendar a cautelar instituída pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Em verdade, a Corte Suprema não decidiu se a MP 936 é ou não inconstitucional, mas, apenas afastou a decisão do Ministro Relator.

Em outros Termos, o que o Tribunal fez foi permitiu a aplicação da MP 936 da forma em que foi editada pelo Executivo, gerando todos os seus efeitos, inclusive, quanto a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários. De fato, nada impede que o STF venha a reconhecer a inconstitucionalidade de tais disposições instituídas na MP 936 – que talvez até já tenha se tornado Lei. Nesse sentido, se por um lado esse posicionamento inicial trouxe certa segurança jurídica e que para chegar a tal conclusão os Ministros levaram em consideração a delicada situação de Calamidade promovida pelo Coronavírus, fica um questionamento: até que ponto direitos trabalhistas (conquistados após anos de luta) podem ser mitigados com fundamento no contexto vivenciado?

Diante do exposto, a despeito das divergências motivadas pela MP 936, que restringiu o papel negocial dos sindicatos durante a crise do coronavírus, e da decisão liminar do Supremo na ADI n. 6.363, parece que a mais prudente forma de negociação no período da pandemia é com a participação sindical. Assim, se evitará eventuais arguições de nulidade de ajustes entre empregados e empregadores, pelo não chamamento dos sindicatos, e eventuais passivos trabalhistas.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Consolidação das Leis do TrabalhoCLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.

BRASIL. Constituição Federal Da República Federativa Do Brasil. Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm>; Acesso em: 27/04/2020.

BRASIL. Medida Provisória nº 927, DE 22 DE MARÇO DE 2020. Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm>. Acesso em: 24/06/2020.

BRASIL. Medida Provisória nº 928, DE 23 DE MARÇO DE 2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, e revoga o art. 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv928.htm>. Acesso em: 24/06/2020.

BRASIL. Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm>. Acesso em: 24/06/2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. ADI 6.363 – Decisão Plenária 17 de abril de 2020. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5886604>. Acesso em: 24/06/2020.

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